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quarta-feira, 16 de julho de 2008

Gabriel

Sampleado do Blog da Nati Pesciotta


"Tudo bem que a culpa é um pouco minha por estar atrasada, mas pegar a Gabriel Monteiro da Silva todos os dias é um exercício constante de paciência. Sempre reclamo da Teodoro e suas incontáveis peruas transportadoras de móveis. Agora chegou a vez da alternativa mais chique, a paralela Gabriel.São carros enormes, cujos preços são proporcionais a esse tamanho e também à escuridão dos vidros (não que eu entenda muito de automobilismo, mas isso é claro). Eles devem atingir velocidades incríveis, mas se somar o que marca o velocímetro de todos não chega ao que um é capaz de andar sozinho. Ou seja, não há explicação lógica para aquelas pessoas quererem aqueles carros. Como se não bastasse molengar, não saber para onde vão, sair e entrar dos estacionamentos das lojas a todo momento, as madames não se contentam com uma faixa da rua (de preferência a da direita) e ocupam as duas. Além de não dar para passá-las, não dá nem para enxergar mais à frente através dos vidros com insulfilme.
Não tenho idéia de quem tenha sido Gabriel Monteiro da Silva, mas hoje com certeza é um bom vivand. Boutiques, o mais requintado em decoração, bistrôs, o glamour com os pés a seu chão.Porém, Gabriel é um nome que me diz alguma coisa. É como eu me chamaria se tivesse nascido menino. Em boa parte por causa da música “Gabriel”, do Beto Guedes, feita para o seu filho: “...E de você me lembrar toda vez que a vida mandar olhar pro céu...”. Me lembro mesmo, toda vez, de uma cena acontecida na Gabriel. Aquele menino. Aquele maldito menino. Chovia muito, o que me fazia ainda mais irritada, o trânsito ainda pior. Mas ele estava bem mais bravo. Andava entre os carros na chuva. Descalço, sua altura não chegava aos capôs dos carros. Pedia dinheiro. Sem sucesso. O ódio estampava sua cara quando chutou o automóvel onde eu me protegia. Com toda força que tinha, chutou meu carro. Um chute, uma expressão que, como as vivências de um veterano de guerra, ficam pra sempre nos pesadelos. Não abalou em nada o veículo, mas era toda a força que tinha. Impotente. Como eu? Na chuva, uma criança sem nome na Gabriel. E a vida mandou olhar pro céu."


Caso não tenha achado nada demais, leia de novo. Como essa charge do Laerte:

obs: clique na imagem que dá pra ver melhor.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Segurança e medo

Sampleado do blog da Natália

Texto: Luís Fernando Veríssimo - "Comédias da vida privada"

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança. Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança. Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados. Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas. Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto.Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá. Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês. Mas os assaltos continuaram. Decidiram eletrificar os muros. Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar. Mas os assaltos continuaram. Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas. Todas as janelas foram engradadas.
Mas os assaltos continuaram. Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível. Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas. Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno. Mas os assaltos continuaram. Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaramse para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema. Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos. E ninguém pode sair. Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua. Mas surgiu outro problema. As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.