terça-feira, 1 de julho de 2008

Segurança e medo

Sampleado do blog da Natália

Texto: Luís Fernando Veríssimo - "Comédias da vida privada"

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança. Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança. Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados. Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas. Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto.Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá. Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês. Mas os assaltos continuaram. Decidiram eletrificar os muros. Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar. Mas os assaltos continuaram. Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas. Todas as janelas foram engradadas.
Mas os assaltos continuaram. Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível. Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas. Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno. Mas os assaltos continuaram. Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaramse para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema. Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos. E ninguém pode sair. Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua. Mas surgiu outro problema. As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.

4 comentários:

Anônimo disse...

tarso, isso simplesmente mostra, a dura realidade do brasileiro.
ele procura a segurança que o governo n oferece atravez desses condominios "super-seguros" e acabam tornando-se prisioneiros deles mesmos, e quem na verdade deveria estar preso, esta livre assaltando quem tem menos a oferecer.
deve exisir um maior cumprimento da lei no Brasil, ou então, viveremos isso até qndo existir Brasil.

Anônimo disse...

Tarso!
Eu não sei se vc ficou sabendo mas tem um filme novo em cartaz chamado Personal Che, documentário sobre o mito que se tornou após a morte de Che Guevara!
Se puder assita-o! Eu gostei muito, deixei meu humilde parecer no meu blog!

Beijo!

Tarso Loureiro disse...

Rickson,

É uma leitura válida, porém me parece um pouco restrita. A realidade da imensa maioria da população brasileira não é essa. Essa é a realidade de parte da classe média e talvez da elite brasileira. O brasileiro comum não tem nem como auto-exilar-se em condomínios fechados e ficar no esquema casa-carro-shopping-carro-outros lugares fechados...
Além disso, o texto me parece uma crítica à cultura do medo que até tem bases reais, mas é muito mais paranóica do que a necessidade.
Eu sou classe média. Moro numa casa de muro baixo, ando de transporte coletivo e a pé ouvindo um Ipod, ou qdo estou de carro, com o vidro aberto... enfim, não ando com medo. Me recuso. Se tivesse esse medo todo me mudava. A prisão opcional é algo que não cogito para minha vida.
Qto a impunidade, concordo plenamente com vc. Penso que ela deveria acabar para todos os bandidos, inclusive os que moram em condomínios fechados e sonegam impostos, tem filhos que compram drogas ilegais, dirigem alcolizados...

Obrigado pela visita.

Tarso

Tarso Loureiro disse...

Anna, não vi ainda (li no jorenal 2 críticas, uma boa, outra ruim). Os filhos tem tomado boa parte do meu tempo. Nessas férias talvez consiga ir no Cine (as 2 últimas fui ver infantis...) e é uma boa pedida.

bj

Tarso