quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Vestidos, primaveras e a beleza das flores nas ruas

Tem algumas pessoas que me fazem sentir uma certa inveja por dizerem coisas de um jeito que eu queria dizer, mas não consigo. Xico Sá é um desses sujeitos e o texto que reproduzo abaixo foi sampleado do seu ótimo O carapuceiro.

O texto fala de uma suposta, e por mim aguardada, volta dos vestidos às ruas. Um dos motivos de eu amar a primavera é que a estação, ao trazer de volta o calor, faz as flores desebrocharem e deixa todos (todas, mas especialmente) mais bonitos. E poucas coisas deixam uma mulher mais bonita e sensual do que um vestido. Pelo menos é isso que eu e o Xico Sá achamos...


OPERAÇÃO VVV -VESTIDO, VERÃO & VINGANÇA


Tubinhos, pretinhos básicos, com e sem alça, os brejeiros de chita. E o tomara-que-caia, amigo, você já testemunhou a queda de pelo menos um desses na vida? É lenda da alta e da baixa costura. Por mais que seque, nunca vi uma peça do gênero promover-nos um alumbramento.
Ei, você ai, de cabelos brancos na fronte do artista, você mesmo, rapaz, deve se lembrar muito bem daquele que Sonia Braga vestia quando escalou o telhado, em Gabriela Cravo e Canela, no tempo em que rolava a novela das dez, recorda?


Alvíssaras, meu camarada, os vestidos voltaram à praça. A vingança. Não que tivessem sumido da história, das ruas, das festas, repartições e firmas. Mas andavam em baixa, suplantados pela praticidade burocrática das Evas modernas e suas calças, suas saias austeras e seus tailleurs, essas peças apolíneas que batem a carteira de Vênus, roubam a alma de Eros...
De tão neoliberais, os tailleurs são capazes de sair sozinhos para o trabalho....


Talvez tenha sido necessário, fazer o quê?, a onda recente de desfiles de moda de Nova York, Londres, Milão e Paris, para alertar para uma necessidade mais do que extremada: o retorno do vestido como peça sagrada e quase segunda pele das mulheres.
Tudo fica mais estranho ainda quando as passarelas começam a entender um pouco os homens héteros. Mas não deixa de ser um ótimo sintoma dos tempos.



Talvez a indústria da moda esteja pagando por todos os pecados anteriores. Redime-se lindamente do quanto enfeiou as belas mulheres.
Nada nos cai tão bem ao desejo quanto um vestido.
Todo homem ama passear com uma mulher com a mais linda dessas peças. Mesmo os mais machões, que fingem ignorar a vestimenta da fêmea _reservando-se apenas a dar chiliques quando as vestes são muitas curtas.
Seja um Versace, que custa os olhos da cara, seja um baratinho de chita.



Homem que é homem, seja de Paris, Nova York ou do sertão dos Cariris, como o meu avô João Patriolino, vai à Maison, às Casas Pernambucanas ou à feira do seu município e traz uma bela peça ou um corte de tecido de presente para a amada. Até mesmo o Fabiano, que mal tinha um cobre no bolso, persona do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, voltava da cidade com um corte de pano estampado para a sua mulherzinha magra, só o couro e o osso.


Mas mesmo que nos falte a devoção do presente, tudo indica que vocês, belas fêmeas, irão desfilar nos próximos verões com feminilíssimos vestidos.
Será lindo!
Até o velho e bom pretinho básico, que está em voga desde 1926, quando Chanel o desenhou pela primeira vez para a Vogue, agora reaparece revigorado. Percebeu como manjo, Bibi Vestidinho?
V de verão e V de vestido para deixar mais faceiras as gazelas, para dar mais graça às cheinhas, para realinhar a beleza nobre das afilhadas de Balzac...



A peça nos põe, homens de todas as gerações e gostos, mais românticos. O mais tosco dos canalhas sucumbe como um romeiro de joelhos diante da santa.
Se for uma peça que deixe à mostra as saboneteiras, meu Deus, que lindo vexame! E uma mulher com o joelho à mostra... nas cidades mais frias que sempre exigem roupas mais compostas?
Noooooosssssaa!, como diria o velho Costinha.
Ora, você nem carece ser a mais bela por completo, isso é utopia e ditadura de & modinhas, você carece ter apenas uma linda parte pelo todo, como aquela figura de linguagem, a tal da metonímia que aprendemos no colégio.



Mulher é parte pelo todo. Uma linda omoplata, um pescoço, ombrinhos, pés, calcanhares mais lindos, batatas de pernas invejáveis, belos braços...
Aí ficará ainda mais linda de vestido, ao contrário das calças e outras tantas armaduras medievais que escondem o que nos enlouquece, o melhor dos nossos mundos.
Esconder, achando que pode ser vantajoso depois, é besteira. O charme é mostrar-se, ter a coragem, mesmo com o que você supõe ser uns quilinhos a mais. Na balança das nossas retinas e trenas, isso pode ter importância de menos, quase nada, alguns gramas de preconceito e baitolice na cabeça de homens que já não valiam a pena mesmo.


Nenhum comentário: